Jesus Pretinho & a cultura do lambe

Ao longo dos últimos 8 anos a obra “Jesus Pretinho” vem sendo colada em ambientes públicos ocupando muros, portas, lixeiras, placas, tapumes, paredes cegas, cabines, caixas de luz, caixas telefônicas, dentre outros suportes, obstáculos, silhuetas e mobiliários urbanos. Ao todo, o volume aproximado de impressões desta imagem produzidas diretamente pelo autor contabilizam aproximadamente 6800 reproduções, em tamanhos variados de cartazes com proporções de 59,4 x 84,1 cm a pequenos adesivos com 6 x 8,5 cm, salvo algumas exceções em que a obra foi reproduzida em maior ou menor escala, assim como também para vestuário por meio de camisetas. Por conta da profusão de impressões, das aparições múltiplas consequentes da colagem em territórios diversos e da propagação de registros e processos dessas colagens em redes sociais, sem buscar medições qualitativas referente ao impacto em relação aos espectadores, com o passar do tempo a imagem começou a habitar não só as ruas e as fotografias do próprio autor a título de acervo, como também registros de pessoas que avistaram a obra: artistas, fotógrafos, jornalistas, estudantes etc. Aconteceram movimentações para além das ruas e das redes, fazendo o próprio cartaz, a foto do cartaz colado e/ou reproduções do mesmo transitarem para dentro de casas, estabelecimentos comerciais, instituições culturais, religiosas, produções acadêmicas, cinematográficas, publicitárias, escolas, universidades, diários: arquivos vivos.


Esta é a primeira reunião e montagem com estes materiais, constituído das impressões, interpretações, edições e vivências do criador e reprodutor, e portanto cheio de lacunas, falhas, descontinuidades, esquecimentos. É importante afirmar que esta movimentação compreende não abarcar quaisquer afirmações de originalidade, visto que a própria obra é um questionamento que nasce da mixagem de imagens contemporâneas com produções artísticas passadas, tradições históricas, portanto parte de um dispositivo arquivístico, mas contra o próprio arquivo, em busca de narrativas que indagam as repetições e vícios seculares que tanto freiam outras percepções de mundo, disputando e despertando novas imagens, estimas, percepções e alternativas para o que poderia ser a imagem simbólica de Jesus.

Este mesmo material também carrega os olhares de pessoas que passaram por essa imagem e a registraram como arquivos privados, das centenas destes registros ao qual Pereira teve acesso, de outras centenas que nunca terá - mas que o arquivo terá, em uma movimentação constante tal qual a rua e a arte feita para ela, que nos mostra uma característica comum entre o cartaz urbano e o arquivo: ambos nunca se fecham.

Rio de Janeiro, Gamboa, 2017

Este site está dividido em três conjuntos centrais:

a) Arquivo pessoal: registros feitos por ou com direcionamento do autor em ordem cronológica. Dentro de cada aba anual, uma série de registros é apresentada em ordem crescente, considerando o intervalo dos meses de Janeiro a Dezembro. Cada ano apresenta materiais diversos, sem recortes e temáticas específicas. Portanto, configuram na mesma categoria vídeos e fotos que apresentam processos de colagem, fotografias da obra já colada, encontros com pessoas intermediados pela obra, bastidores e colaborações, contextos diversos em que a imagem aparece como elemento central ou proposição auxiliar.

b) Categorias: registros de critério temático, dividido em três subcategorias.

  1. Registros Públicos - fotografias diversas em sua maioria feita por pessoas que foram atravessadas pela obra, que tem em comum o registro e o olhar atento às manifestações urbanas no geral e que tiveram como interesse central descobrir a autoria e creditar por meio da marcação em rede social

  2. Documentais - obras audiovisuais, de fotojornalismo, ensaios artísticos, diários pessoais, relatos, materiais educacionais, entrevistas e variedades em que a obra participou ou foi tema central, gerando documentos digitais e objetos físicos, status e natureza material do arquivo

  3. Uso não autorizado - aparições em fotojornalismo com intuito de venda para banco de imagens, apropriações indevidas em trabalhos artísticos, reproduções diversas com intuito de anunciar ou comercializar diretamente sem conhecimento, pagamento de direitos autorais e/ou consulta prévia ao autor.


c) Efemérides: registros correlatos de um mesmo lambe-lambe em momentos distintos, podendo transitar entre o arquivo pessoal e as categorias temáticas. O objetivo é apresentar mudanças por conta da ação do tempo, das rasuras e destroços do arquivo lambe. Ele então adquire um status de prova. Ele é a prova de que uma vida realmente existiu, de que algo realmente aconteceu, o relato de algo que pode ser construído. O destino final do arquivo, contudo, está sempre situado fora de sua materialidade, na história que ele possibilita. (MBEMBE, p.21)